Como funciona a Cogestão?
A pesca representa um setor crucial para 800 milhões de pessoas no mundo, que dependem dela direta e indiretamente. A sua importância não só recai sobre questões de segurança alimentar, como também de relevo cultural e económico para muitas comunidades. No entanto, várias problemáticas advêm deste setor, não só em termos ambientais (como a sobreexploração de várias espécies), mas também sociais e económicos (como a garantia de condições de trabalho e rendimentos justos para os trabalhadores).
Em vez da tradicional gestão centralizada, onde o governo toma sozinho todas as decisões (mesmo que tome notas de cientistas e outros especialistas), a cogestão implica o envolvimento de todos os intervenientes relevantes na tomada de decisões comuns aplicadas a uma dada pescaria, e visa a gestão sustentável tanto da pescaria como dos recursos, a par do seu estreito acompanhamento científico.
A cogestão enquanto regime de gestão partilhada dos recursos vivos e dos meios necessários à sua captura e aproveitamento económico, compreende a gestão sustentável dos recursos e a concretização do princípio da máxima colaboração mútua entre os setores da Pesca, Administração, Ciência e Sociedade Civil.
Este tipo de gestão permite não só reunir os interesses de cada setor, mas também partilhar responsabilidades sobre o funcionamento das atividades de pesca, por exemplo, em termos de manutenção, avaliação e criação de planos de gestão (sempre com uma base científica e pretendendo assegurar a proteção ambiental).
Os modelos de cogestão visam a sustentabilidade dos recursos, não apenas numa perspetiva ambiental, mas também económica e social. Com vista ao trabalho colaborativo para atingir objetivos de interesse comum, a cogestão permite aumentar a partilha mais transparente de conhecimento e perspetivas entre diferentes atores, o que, por sua vez, promove o aumento de confiança entre as várias partes interessadas, o cumprimento e compreensão das regras estabelecidas e, no geral, um sistema mais sustentável e flexível.
Recentemente em Portugal, a cogestão tornou-se um regime com enquadramento legal (em 2020) e, ainda mais recentemente, surgiu o primeiro Comité de Cogestão numa pescaria, a Apanha de Percebe na Reserva Natural das Berlengas (em 2022). Apesar de estarem agora a ser dados os passos pioneiros a nível nacional para a implementação e o funcionamento deste tipo de regime em várias pescarias, a nível internacional existem já diversas histórias que provam o sucesso da cogestão.
Por exemplo, a pescaria artesanal que opera na Área Marinha Protegida (AMP) de Torre Guaceto (Itália), estabelecida em 1991, passou de um clima de “guerra” entre a administração e os pescadores (pelas restrições vistas como ameaças à pesca naquela AMP), à constituição do primeiro regime de gestão partilhada com os pescadores no Mediterrâneo, que levou à tomada de decisão conjunta da cessação das atividades de pesca e que, atualmente, permite que os rendimentos provenientes das capturas dentro da AMP sejam muito superiores aos rendimentos fora destas áreas.
Outro exemplo disto é a Cogestão de Enguia-da-areia, na Catalunha, o primeiro Comité em Espanha deste tipo a ser formado por quatro coletivos (administração, pesca, ciência e sociedade civil), em 2012. Depois de verem a sua própria pescaria sob ameaça de ser fechada pela Comissão Europeia devido à falta dum plano de gestão e monitorização científica, os pescadores procuraram o apoio destas várias entidades para formar o Comité de Cogestão e colmatar estas falhas. Assim, surgiu um plano de gestão de gestão multianual e a cooperação entre as entidades levou a uma gestão adaptativa da pescaria, erradicação da pesca ilegal, redução do esforço de pesca, valorização do recurso e, no geral, uma melhoria da gestão sustentável da pescaria.
É crucial quebrar paradigmas e envolver todas as partes interessadas na gestão da atividade piscatória!